domingo, 13 de novembro de 2016

O LUGAR VAZIO





Que será feito dele? Quase sempre que se entrava na vila ele lá estava deitado, no meio dos seus parcos pertences, na calçada e à sombra da árvore, encostado aos altos muros que davam para a Marginal... De Verão e de Inverno, dormindo, comendo ou talvez meditando, de dia ou de noite, votado à indiferença de quantos que por lá passavam de carro. Vista privilegiada sobre a Baía de Cascais. As barbas brancas sempre por fazer.

O Natal aproximava-se. Aquela visão incomodava. Até que um dia ela se aproximou dele levando-lhe que comer, um agasalho e um coração com um botão... Aceitou que comer. Guardou a manta que disse ainda ir pensar se ficava com ela. Mas recusou o coração. Segurou nele e, olhando para ela, disse, olhando-a firmemente nos olhos: __ " Não. O coração não. Guarde-mo. Quero que fique com ele. Tome conta dele." Ela respondeu: __" Está bem eu guardo-o! Mas diga-me, porque insiste em permanecer aqui deitado na rua de dia e de noite, de Verão e de Inverno?". __ "Eles querem dar-me uma casa. Eles querem-me tirar da rua. Mas eu cansei-me de gritar. Agora grito calado. Fico aqui à vista de toda a gente...". Seria descompensado, louco?!... A conversa tinha uma certa coerência, tinha uma voz forte e bonita, aquele homem que parecia tão distante tinha sentimentos, tinha ideias, mas continuava na rua porque estava "cansado de gritar". Mas gritar o quê? Não respondeu.

Um dia desapareceu como que por magia. Passaram-se dias, meses...  Ficou a marca na calçada na zona onde se instalava... As pedras estavam mais escuras. Era debaixo daquela árvore que assentava praça. O tempo foi passando, vieram as águas das chuvas, veio o quente do Sol, os homens da limpeza da câmara e a marca desapareceu. Agora, já não há certeza debaixo de qual das árvores se deitava com os seus haveres. Ficou apenas na lembrança de quem por lá passava a imagem de um homem aparentemente abandonado de tudo e todos... Se calhar abandonado dele próprio. Um homem que gritava calado. O que "gritaria" ele?!... Este Natal já lá não está. Vamos ficar sem saber.

O lugar ficou vazio. Mas o coração ficou guardado. Quem sabe se o "grito" daquele homem de barba branca e cabelo grisalho se faz sentir através dele?!... Quem o ouvirá? Quantos homens e mulheres não gritam calados mas desesperadamente no silêncio das suas casas, ou nos cantos onde dormem, a sua SOLIDÃO?!...

Se calhar, não é preciso procurar muito longe... e nos lugares mais inesperados vamos encontrar quem precise dos nossos corações. 







Sem comentários:

Enviar um comentário